Há uma famosa composição da atualidade — ou melhor, duas em uma, intituladas “Meu Mestre” e “Vou Morar no Céu”— que vem sendo entoada de modo efusivo em nossas igrejas, quer por conjuntos (coral, mocidade, adolescentes), quer nos momentos de louvor coletivo. Por meio dela, dizemos, como se fosse uma oração: “Acabe o show, restaura o louvor”.
Assim começa a dúplice composição: “A minha vida é do Mestre/ Meu coração é do meu Mestre/ O meu caminho é do Mestre/ Minha esperança é meu Mestre”. Vida, coração, caminho e esperança. O compositor foi feliz ao escolher os elementos que devem ser entregues ao nosso Mestre e Senhor Jesus Cristo, ainda que não cite o nome de Jesus diretamente. Mas, temos mesmo entregue tudo isso a Ele, ou cantamos da boca para fora, deixando-nos envolver pela melodia?
Se entregamos a nossa vida ao Senhor, vivemos para Ele, e não mais para o mundo (1 Jo 2.15-17). Se lhe entregamos o centro da nossa vida espiritual, o coração, significa que priorizamos as coisas espirituais, e não os bens materiais e nosso próprio eu (Gl 2.20; Cl 3.1,2). Se entregamo-lhe o nosso caminho, então é Ele quem dirige a nossa vida (Sl 37.5). E, se depositamos nEle a nossa esperança, estamos aguardando ansiosamente o Dia em que Ele virá nos buscar, pois esta é bem-aventurada esperança da Igreja (Tt 2.11-14).
“A Deus eu entreguei/ O barco do meu ser/ E entrei no mar a fora/ Pra longe eu naveguei/ Não vejo mais o cais/ Só Deus e eu agora”. A composição é realmente linda. Não há o que contestar quanto à letra. E a melodia contribui para cantarmos com emoção, sentimento. Contudo, como o nosso culto ao Senhor é racional, precisamos saber o que estamos cantando. Temos, de fato, entregue a direção da nossa vida a Deus, a ponto de sermos apenas nós e Ele?
Numa envolvente e cativante gradação, a composição continua: “Na solidão da lida/ Eu pude perceber/ O quanto Deus me ama/ As ondas grandes vêm/ Tentando me arrastar/ Pra longe da presença dEle”. Salienta-se, aqui, que na caminhada do cristão verdadeiro há muitas tribulações (Jo 16.33; Rm 8.18). Não vivemos em um mar de rosas. E, nos momentos mais difíceis, quando ficamos sós, na verdade temos a companhia do nosso Ajudador (Hb 13.5,6; Sl 46.1). Mas isso precisa ser cantado e vivido pelos servos do Senhor.
Depois do refrão “A minha vida é do Mestre”, a primeira composição — “Meu Mestre” — emenda com “Vou Morar no Céu”. E isso ocorre num momento em que todos estamos envolvidos pela música, quase em êxtase. Diz a composição: “Ainda bem que eu vou morar no céu/ Ainda bem que eu vou morar com Deus”. Mas, pergunto: Queremos, de fato, morar com Deus agora? Se sim, por que nos apegamos tanto a bens materiais? Por que tantos desafios, campanhas por prosperidade? Por que não demonstramos amor à Vinda de Cristo?
O compositor, então, explica por que é melhor morar no Céu: “O mundo está cheio de horror/ Os mentirosos reinam sem pudor/ Mentes brilhantes planejando o mal/ Mas eu não desanimo, pois sou sal/ A integridade foi pro além/ No mundo ninguém ama mais ninguém/ Mas Ele prometeu que vai voltar, pra nos buscar”. Ah, se a igreja evangélica brasileira fosse sal! Ah, se estivéssemos, verdadeiramente, esperando com ansiedade a Segunda Vinda do Senhor!
Reconheço: a letra é bonita. Não estou escrevendo contra ela e seu compositor. Mas estou refletindo sobre como estamos mentindo para Deus, no momento do louvor. E o que vem depois confronta ainda mais o ideal com o real: “Restaura a tua casa, oh SENHOR/ Acabe o show, restaura o louvor”. Queremos isso mesmo, ou estamos cantando por cantar?
Ora, vamos à realidade. No mínimo, dois terços dos nossos cultos (cultos?) são formados por cântico e música. Uma canção emenda na outra, num interminável show de cantoria e, em muitos lugares, dança. E a tendência é piorar, pois os hinos (hinos?) entoados em nossas igrejas estão cada vez mais longos, posto que foram preparados especificamente para shows com várias horas de duração — onde não há exposição da Palavra, mas “ministrações” dos próprios adoradores-astros —, e não compostos para um culto ao Senhor com apenas duas horas de duração.
O compositor vai mais além: “Riqueza e fama agora é a pregação/ Já não se fala mais em salvação”. Mensagem contundente, que cantamos, mas não vivemos. Quais são os pregadores mais admirados por nós, hoje? Quais são os expoentes que pregam nos eventos que reúnem multidões? Os que falam da cruz, como Paulo? Os que discorrem sobre o Justo, como Estêvão? Os que anunciam a Cristo, como Filipe? Não! Admiramos pregadores que nos desafiam a semear R$ 900,00 no ano de 2009 para ter a unção financeira! Admiramos pregadores que prometem o milagre do depósito em conta bancária…
Mais uma vez, numa entusiástica gradação, a composição diz: “O mundo está tentando enganar/ Aquele que o SENHOR virá buscar/ Mas permaneço firme com minha cruz/ Pois sou luz”. O autor e intérprete dessa composição é luz? Os seus músicos e integrantes do backing vocal são luzes? Os “levitas” e “adoradores extravagantes” do nosso tempo são luzes? Os pregadores da prosperidade são luzes? Os telepregadores são luzes? Você é luz, caro leitor? Eu sou luz? Nós temos sido luzes, neste mundo tenebroso? Permanecemos firmes com a nossa cruz, seguindo àquEle que nos chamou das trevas para a luz (Lc 9.23; 1 Pe 2.9,10)?
Que acabe o show! O show da falsidade, da mentira, da apelação, do engodo, do amor ao dinheiro. E que voltemos a cultuar ao Senhor Jesus em nossas igrejas! Com menos cantoria e mais louvor. Com menos triunfalismo e mais pregação cristocêntrica. Com menos sofisticação e mais simplicidade. Com menos performance gestual e mais quebrantamento do coração. Com menos descontração e mais arrependimento. Renova-nos, Senhor!
Padom
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