terça-feira, 22 de setembro de 2009

Quem nunca ouviu falar na crise dos sete anos? Será que ela existe mesmo?

Quem nunca ouviu falar na crise dos sete anos? Teoricamente o casal que chega ao sete anos de casados entra em um estado de desgaste conjugal que, se não revertido, resulta em separação.Se por um lado não se trata de uma questão matemática (como se necessariamente todo casal que completasse sete anos juntos fosse entrar em uma crise), por outro lado há dados que apoiam a idéia de que os primeiros anos do casamento são os mais críticos para a sua preservação.

Segundo estatísticas do registro civil do IBGE com base nas estimativas de cartórios em todo o país (citadas pela Folhapress em 11/12/06), do total de casais separados em 2005, 9,2% tinham até dois anos de casamento contra 5,2% em 1995. Além disso, em 2005 15,4% dos casais separados tinham até três anos de casamento contra 12,7% em 1995.

O mais alarmante é que a taxa de separação no mesmo período manteve-se estável, com exceção dos primeiros anos de união. Será que ao invés de falarmos de “crise dos sete anos”, já deveríamos falar em “crise dos dois anos”? Seja qual for o nome que dermos a esta crise, é inegável que ela existe.

O objetivo deste texto é levantar algumas das principais características e desafios dos cinco primeiros anos de casamento. A importância de conhecê-los está em facilitar a reflexão sobre os possíveis motivos que têm levado casamentos a sucumbirem tão precocemente e, sobretudo, evitar que isto aconteça.

Dois estranhos no ninho… Ou um ninho estranho

Um dos primeiros fenômenos do início do casamento é o estranhamento. Terminada a lua-de-mel, o casal vai para onde deverá se tornar seu “habitat natural”: sua casa. Mas que casa é esta? Um novo lugar para viver e conviver. Mas o problema imediato a resolver é a construção deste lugar.

A estrutura física da casa está construída, mas não ainda a estrutura existencial e afetiva. As referências da família de origem de ambos os cônjuges deverão ceder frente à realidade de uma nova família. Valores e hábitos antigos deverão ser revistos em prol da construção de um novo espaço compartilhado. A “minha cama” torna-se “nossa cama”, a cozinha passa a receber outros temperos e o banheiro passa a não suportar certos odores… é preciso certo tempo para que um monte de objetos cercados de paredes se torne uma casa.

Portanto, não se trata de simplesmente se acostumar com uma nova arquitetura, decoração ou mobília, mas de superar o duplo desafio de construir um novo lugar para si e para o outro.

É neste estranho ninho que o casal irá se deparar de maneira nua – literalmente – e crua com a realidade do “enfim, sós”. A revelação da nudez corporal é apenas o começo de uma série de confrontamentos com o real. As fantasias com o corpo do outro tem a ver com um conjunto de fantasias relacionadas ao sexo que, pouco a pouco, vão se desvanecendo, o que pode gerar decepções e medos.

A partir daí, outras fantasias vão sendo convidadas a sair de cena e dar lugar a representações mais adequadas sobre o outro. Pergunta-se: aonde está o “cara romântico” que eu conheci? Aonde foi a “garota divertida” de antes? Cresce a sensação de que “não foi com este homem (ou esta mulher) com quem me casei”. O desencantamento pode ser fatal.

A sogra e outros “queridos parentes”

Há muito o relacionamento com a sogra adquiriu um caráter anedótico. O estereótipo da sogra é daquela mulher sempre pronta a se meter aonde não é chamada e que inferniza o genro, considerado por ela um depósito de defeitos. Evidentemente que isto está longe de ser um fato na totalidade dos casamentos.

Entretanto, aceitando que “toda lenda tem um fundo de verdade”, podemos atentar para aquilo que existe para além dos exageros. É um fato que freqüentemente a família de origem interfere na vida do novo casal, ora por solicitação dos cônjuges, ora por invasão daquela.

Os cônjuges, via de regra, muito jovens e inexperientes, podem ceder à tentação de adotar uma postura infantil diante de crises ou impasses, transferindo a responsabilidade pela direção de suas vidas aos seus antigos tutores.

Pode ser a oportunidade para que pais superprotetores e controladores entrem em ação como bombeiros, apagando os eventuais incêndios de uma vida a dois, ou como juízes, julgando e decidindo o que o casal deve fazer nas mais diversas situações.

Os pais, tomados por uma ansiedade excessiva pelo bem-estar dos filhos, aliada a pouca disposição em confiar neles (geralmente justificada pela imaturidade dos mesmos, como se tomar o lugar deles fosse torná-los mais maduros…), acabam dando continuidade a um padrão de relacionamento pais-filho estabelecido desde a tenra idade. Tornando-se isto uma regra, o casal nunca resolve seus problemas e não correm os riscos inerentes às escolhas da vida.

Como se não bastasse, isto pode acontecer à revelia de um dos cônjuges, gerando conflitos internos e externos ao casal. Internos, ou seja, entre os cônjuges, na medida em que conflitam sobre a necessidade ou não de “ajuda” e externos, isto é, entre os interventores e o cônjuge resistente, e até entre os parentes de um cônjuge contra os parentes do outro, todos disputando o poder pelo destino do casal.

Ele chegou… O que será de nós?

A chegada do bebê normalmente é motivo de grande alegria para o casal e para a família de origem de cada cônjuge. Mas é também motivo de estresse e, em alguns casos, de rompimento conjugal. Quando estes vêm no início do casamento, o casal, ainda às voltas com outros problemas de ajustamento, tende a sofrer uma sobrecarga de tensão. É freqüente o surgimento de problemas financeiros devido ao aumento de despesas trazidas pelo novo membro da família. É preciso satisfazer o cônjuge, consolidar a carreira e cuidar de um ser absolutamente dependente… quem e quantos agüentam?

O relacionamento conjugal muda necessariamente. É normal que a mãe passe a dar mais atenção ao bebê do que ao marido nos primeiros meses após o seu nascimento, inclusive com diminuição do desejo sexual.

Alguns homens têm grande dificuldade de aceitarem “dividir” a sua mulher com este “outro” e sentem-se rejeitados. Já as mulheres, cientes de que não estão correspondendo às expectativas dos maridos e sentindo-se menos atraentes devido às alterações corporais da gravidez, temem ser abandonadas.

Além dos problemas financeiros e sexuais, muda a rotina e o cotidiano do casal. Antes podiam viver como nos tempos de solteiros: livres, leves e soltos…depois o programa de final de semana passa a depender de uma complicada operação logística, incluindo carrinho de bebê, mamadeiras, guarda-sol, em um ritmo determinado pelo bebê. No caso de crianças maiores, muda apenas o arsenal mas não a guerra… Em se tratando de um programa que se pretenda a sós, sorte daqueles que podem contar com os avós e as tias.

O grande risco nesse momento é do casal não conseguir administrar esta nova realidade e se deixar levar pelo estresse. Estressados, gradativamente perdem o interesse um pelo outro e pelas atividades comuns, passando a ser um casal unido apenas pela necessidade de criar os filhos.

Conclusão

Cada etapa da vida conjugal tem as suas próprias características e desafios. Não é possível encontrar consenso sobre qual seria a etapa mais ou menos difícil. O verdadeiro problema não está no caminho que se percorre mas no caminhar.

Os cinco primeiros anos de casamento serão melhor vividos se os desafios próprios desta etapa forem reconhecidos e enfrentados. Um deles é o estranhamento: embora seja necessário para o estabelecimento de uma relação mais fundamentada no real e no possível, o desencantamento deve dar lugar a “momentos encantados”, isto é, a alguma fantasia e romantismo, permitindo um reviver da paixão, que pode salvar o casamento da tentação de relacionamentos extraconjugais.

Outro desafio é o relacionamento com a família de origem: somente mantendo a devida distância, o novo casal poderá desenvolver-se efetivamente como uma nova família, capaz de autogestão livre e responsável, através do diálogo e da cooperação mútua. Finalmente, o desafio das crianças pequenas: se o casal renunciar ao estilo de vida de solteiro mas sem abrir mão de preservar a sua intimidade, equilibrando os papéis de marido e mulher e os papéis de pais, o crescimento da família será menos motivo de estresse e mais de felicidade.

Por: Psic. Anderson Nunes Pinto

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